Rosa

Fernanda Mateus
5 min readJul 20, 2020

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Rosa acorda às 6:45 da manhã depois de mais uma noite mal dormida. Mais uma noite em meses, talvez até em anos. Dessa vez o remédio para insônia não está sendo suficiente, nem com os outros dois comprimidos calmantes e os outros 4 remédios analgésicos escolhidos aleatoriamente gaveta de remédios.

Ela acorda, levanta sem vontade, toma um café que dá um pouco de cor a alma e depois volta ao quarto e retoma sua leitura, depois decide estudar em mais um curso. Pausa.

Rosa volta a pensar em suas noites mal dormidas, na dor no corpo que sente, principalmente nos rins. Lembra que não está tomando água e que não sente mais vontade de fazer isso. A menina se aprofunda em seus pensamentos e lembra que uma das causas de suas noites mal dormidas são seus pesadelos, não que ela lembre quais sejam a maioria deles, são vários, todos os dias e sempre causa espanto. Antes dos remédios Rosa acordava durante a madrugada e começava a chorar em sua cama, só parava quando dava 7 horas, o horário de levantar da cama, se arrumar e ir para o trabalho. Agora, depois da quarentena e do remédio de insônia Rosa acorda, às 6 horas, um sucesso, mas com a mesma angústia no peito de quem acordava às 3 horas e com a mesma vontade de chorar, só não chora para poder fingir que o remédio é um sucesso para sua mãe, que não suporta e se deixa definhar por se sentir um fracasso ao ver sua filha também definhando em profunda tristeza. Pausa. Rosa percebe que está com vontade de chorar de novo. Decide assim, ignorar seus pensamentos e retoma sua leitura de algum livro que ela também não sente vontade de ler.

Após o café Rosa se olha no espelho e estranha. Observa outra pessoa no espelho, uma pessoa que ela odeia. Não gosta de seus cabelos opacos, sem vida, de seu rosto que parece até transmitir dor e cansaço, ou exaustão, sim, essa é a palavra certa! Seu corpo é grande, pesado, maior do que o que gostaria de ver. Ela percebe que estava em despersonalização, respira. Pausa. Mais uma vez olha no espelho e dessa vez chora.

Pensa em dietas, vitaminas, em como mudar seu corpo, rosto e cabelo até que se tornem aceitáveis para si. Repensa, abre suas redes sociais e vê uma quantidade diversa de leituras sobre aceitação de seu corpo, pressão estética e sobre uma boa relação com a comida. Lembra que não está com vontade de comer e sequer toma mais de um copo d’água por dia. Rosa volta para seu quarto e deita em sua cama, se cobre com uma coberta já que sente muito frio mesmo quando está sol e calor do lado de fora de casa e mais uma vez chora.

Rosa escuta vozes, são seus parentes! Ela esqueceu por alguns minutos das outras pessoas de sua família que moram na casa. Pausa. Respira. Dessa vez ela decide parar de chorar de vez.

Sua mãe a chama para almoçar, mas Rosa nunca quer comer, ainda assim come sem vontade, para não dar mais assunto e preocupação para seus familiares. Ao engolir a comida Rosa sente um aperto no peito como se fosse morrer, não consegue comer até o final e joga metade da comida fora. Nisso Rosa volta a deitar na sua cama e retoma sua leitura.

Dessa vez a leitura parece interessante. Assim, Rosa joga na aba de buscas de um site da internet o nome do livro que lê e encontra palestras sobre a leitura. Passam-se horas e Rosa nem percebe, depois que ela lembra se questiona se isso seria se sentir melhor e estável. Continua assim por mais algumas horas.

Anoitece, Rosa decide tomar mais dois copos d’água para mostrar a si mesma que está bem, conversa com sua família, ri, come mais do que conseguiu comer aquele dia inteiro. Conversa com alguns amigos que ainda se sente à vontade para dividir alguns acontecimentos da sua vida e fica feliz com as vidas de seus amigos. Pensa que finalmente vai ficar tudo bem e que essa é uma fase ruim. Lembra de sua terapia, das falas de sua psicóloga, de seus passos e seus processos de bastante tempo até aqui. Rosa se sente amada e importante para as pessoas que ela também ama.

Mais algumas horas Rosa deita, toma seu remédio e espera dormir. Mais um pesadelo, uma noite mal dormida. Rosa acorda e se pergunta o motivo daquilo. Pensa nas pessoas que ela deixou ir embora, das palavras que não disse a quem amava antes delas partirem. Ela se sente insuficiente, angustiada. Sonha com uma vida diferente, com um futuro que lhe dê amor e respeito. Olha na janela perto de sua cama e vê uma lua e pensa em como a vida seria melhor e mais fácil se ela fosse outra pessoa e recomeçasse do zero.

Vai ao banheiro, encontra outros remédios e toma mais 5, 6, 7, 8 comprimidos até pensando que não vai mais acordar como Rosa. Talvez como Ana, Luciana ou Roberta, mas não mais como a Rosa que ela tanto odeia e não suporta mais. Toma e volta a sua cama a dormir, assim não sente mais nada, pelo menos não até às 6:30h, quando acorda como Rosa mais uma vez.

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar..

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Fernanda Mateus

Direito | UFRRJ | Seropédica — RJ | “Nossos sentimentos são nossos caminhos mais genuínos para o conhecimento” — Audre Lorde | Tt: @_femros | Insta: @femros