Fernanda Mateus
2 min readJul 27, 2020

Via Pedro Marin

Quando o Uber chegou em São Paulo, lembro que teve uma grande polêmica. Tinha manifestações de taxistas contra o aplicativo, que tentava a todo custo ser regularizado, com o ridículo argumento de que “era um aplicativo de carona”. Era algo que se repetia em várias capitais do mundo.

Haddad estava à frente de prefeitura. Muita gente “progressista” se colocava favorável à vinda do aplicativo, à época citando balinhas e aguázinhas e motoristas menos chatos e máfias de táxis como justificativa. Até uma fala imbecil do presidente do sindicato dos taxistas foi usada como justificativa. Eu lembro de ter escrito uma postagem dura contra isso, muita gente discordando, tudo mais.

O tempo foi passando, e percebemos que nada das maravilhas prometidas da Uber se cumpriram. Há mais gente rodando em São Paulo, precarizada, recebendo pouco. Virou uma indústria; não são poucos os que alugam carros para poder trabalhar. As mecânicas, aos poucos, iam anunciando pacotes para motoristas de Uber. Descobriu-se que não se tratava de “transparência”, “liberdade”, “serviços melhores”, mas sim de criar uma grande rede de captação de dados e de manejar milhares de pessoas a partir do algoritmo, esse patrão impessoal que as empresas querem fingir que é uma espécie de Deus, com suas próprias regras. Até o próprio motorista o “aplicativo de carona” quer substituir. Centenas de milhares de trabalhadores que, no estalar de um dedo de um milionário na Califórnia, podem ficar sem nada.

Era uma empresa tomando as cidades no mundo. As leis trabalhistas eram “atualizadas” para dar conta da “nova realidade”. A nova realidade não caiu do céu, foi feita, autorizada, decretada.

O Uber virou também UberEats. Veio o Rappi, o IFood, o James. A Loggi, que era uma transportadora, de repente se incorporou no modelo. Hoje tem aplicativo até pra contratar goleiro pra pelada (?). É para isso que se criam deus ex machinas no século XXI: entregar comida, entregar documento, contratar goleiro, andar na cidade. As soluções mais bem acabadas para os problemas mais imbecis.

Não há problema nenhum na tecnologia. É muito conveniente apertar o polegar numa tela e receber uma comida, um carro, qualquer coisa. O problema é que essa tecnologia redefiniu tudo — como as cidades se organizam, que pequeno negócio vive ou morre, que direitos você, como trabalhador, tem ou não. O impacto não foi só pro cara que foi trabalhar na plataforma, nem pro usuário — foi geral.

Hoje foi um dia importante porque ficou demonstrado que a despeito de toda a engenhosidade dessa máquina de dados, o capital ainda não conseguiu quebrar a perna que ele mais odeia: o trabalho. Que apesar das condições mais terríveis, do desemprego galopante, da crise econômica brutal, da precarização, ainda arde por baixo da pele aquela chama que nos separa de um amontoado de lata. Não vai ficar barato pra eles.

Fernanda Mateus

Direito | UFRRJ | Seropédica — RJ | “Nossos sentimentos são nossos caminhos mais genuínos para o conhecimento” — Audre Lorde | Tt: @_femros | Insta: @femros